reportagem da Revista do Radio sobre Yara, Vitinho & Heber.
Emilinha Borba ao lado de Heber de Bôscoli na parte culminante do programa 'A Felicidade bate à sua Porta'.
A Felicidade Bate à sua Porta
era um dos programas da Radio Nacional, de maior sucesso. Enquanto Yara Salles comandava do auditório parte do programa, Heber de Boscoli, em um furgão de externa, ia a um determinado endereço de subúrbio que fora sorteado durante a programação.
Chegando ao local premiado, verificava quantos produtos da União Fabril Exportadora existiam na residência, o que valia prêmios em dinheiro.
Claro que os vizinhos sempre arrumavam um jeito de arranjar tais produtos , porém a parte principal era quando a cantora Emilinha Borba surgia na porta de residência para cantar algo como: “Escandalosa”, “Assim se passaram dez anos” ou “Chiquita Bacana”. Nesta hora, era comum a vizinhança invadir a residência do premiado, como se vê na foto, literalmente arrasando tudo o que havia pela frente.
reportagem da Revista do Radio de 1951.
Yara at Radiolândia in 1955; Yara & Bôscoli circa 1955, Radiolândia, 11 Agosto 1956.
Os últimos momentos de Heber de Bôscoli
Fatos emocionantes antes do falecimento
Os derradeiros momentos de Héber de Bôscoli foram revestidos de fatos emocionants. Um deles: Heber chamou Victor Costa (seu grande e íntimo amigo), pedindo-lhe um aparelho de gravação, horas antes de falecer. Queria deixar gravado seu pensamento final, um adeus da vida. Foi-lhe feita a vontade. Veio o aparelho. Mas não foi ligado. O coração de Victor Costa e de outros em volta, não teriam coragem para êsse ato. Não seria mesmo humano. Mas ainda assim Heber disse palavras bonitas. Despediu-se de seus amigos, louvando um por um. Chamou Yara Salles e pediu-lhe que não deixasse que os programas famosos parassem.
Heber tinha por Yara verdadeira veneração. Dias antes da morte fêz questão de deixar por escrito que seu carro, o Cadillac 9-00, ficaria para sua companheira de tantos anos. Também um apartamento na Ilha de Paquetá. E coisas mais. Sem ter morrido milionário (como se poderia supor), ainda assim Heber de Boscoli já havia comprado um outro partamento para sua mãezinha. Tinha também avó. E morreu com a convicção de que Yara e Vitinho, talentosos e dinâmicos como ele, saberiam como viver, lutando pela conquista da glória e do dinheiro.
Houve um outro instante em que Heber de Boscoli despertou de um ligeiro sono. E disse então para os presentes que já tinha falecido, que já tido ido ao outro mundo e se achava de volta, por alguns instantes, para rever a todos, num gesto de extrema bondade de Deus. E teve nesse momento palavras amáveis para com a Morte. Disse que a via, alí perto dele, à sua espera... E que dela não tinha mêdo. Apenas lamentou, com palavras serenas, que ainda não se começasse desde cedo a ensinar às crianças, o que seja a Morte, uma coisa natural e fatal.
Antes de entrar em estado de coma, Heber teve outras expressões como esta: 'Vou penetrar no grande mistério...' Muito sereno e conformado repetiu a frase. E disse também, diante da emoção dos que o cercavam: 'Deixo amigos aqui, mas vou encontrar outros...' E houve o instante culminante em que Heber disse: 'Não tenho mêdo. Estou apenas curioso. Mas estou preparado. Posso morrer'.
Claro que essas frases eram o fim do querido radialista. E quando entrou em estado de coma, Yara retirou-se. Preferiu não mais vê-lo. Ela sabia que nada mais restava. E disse mesmo, de coração apertado: 'Fiz o que pude. Tentei salvá-lo. Mas agora ele já não me pertence, seu espírito agora é de Deus'. E assim foi. Yara Salles não mais viu o rosto de seu querido Heber.
Os irmãos de Heber de Boscoli e seus amigos mais íntimos foram os que assistiram o desenlace. E todos são acordes em que Heber foi um herói contra a moléstia que o perseguia há anos. Dizem alguns que ele poderia ter se tratado melhor, saído do Rio, procurado uma estação de repouso e recuperação, ou mesmo partido para um bom clima da Europa. Mas Heber não quis. No seu orgulho heróico até quando mais não pôde. Depois, vencido, entregou serenamente a alma a Deus.
Revista do Radio de 23 Junho 1956.
Revista do Radio de 23 Junho 1956 anuncia o falecimento de Heber de Bôscoli.
Editorial da Revista do Radio, por Anselmo Domingos sobre falecimento de Heber de Bôscoli.
Yara & Heber em caricatura de Mendes na Radiolândia de 14 Julho 1956.
Yara Salles é amparada por Ivon Curi na inauguração da placa com o nome da Rua Heber de Bôscoli em Novembro 1956.
Yara Salles diz que 1959 foi um ano bom para ela devido ao casamento de Vitinho e sua volta à Radio Nacional.
Yara Salles em 'Câmera Um' 1959.
a inesquecível Yara Salles.
Vitinho Binot em 1963, depois de ter voltado da India.
reportagem sobre Vitinho na revista Cinelândia - Dezembro 1963.
Victor Binot deu uma longa entrevista ao Pasquim no final dos anos 60 sobre suas experiências na India.
Relembrando Vitinho
Há pessoas que ouvem uma voz dentro de si e, simplesmente, a seguem. Com
o jovem Vítor foi assim. Filho de uma radialista famosa, Yara Salles, ele,
simplesmente, partiu num avião rumo à Índia onde seria iniciado como monge
budista. Naquela época, a sociedade brasileira ainda não aceitava bem as
religiões orientais e criou-se todo um debate em torno do assunto que perdurou
por meses.
O tempo passou, a TV exibiu uma entrevista com um homem na faixa dos
seus trinta anos numa noite inesquecível, finais dos anos setenta. Rosto
tranquilo e sorridente, Vítor Binot respondeu a todas as perguntas enfatizando
da sua emoção quando entrou pela primeira vez no templo onde passaria muitos
anos na convivência com seus mestres e amigos. As cores do local e os sons dos
mantras budistas lhe proporcionavam momentos raros de elevação espiritual o que
lhe serviu de base para o seu longo aprendizado religioso e pessoal.
Aprendizado esse que foi repassado na sua academia familiar àqueles que o
procuravam quando retornou ao Brasil.
Vítor não ficou muito tempo entre nós, faleceu de leucemia pouco depois,
mas ficou imortalizado na alma de quem, de uma certa forma, compreendeu sua
simplicidade de ser e, principalmente, a sua maneira de estar no mundo sem se
apegar a ele como naquele ritual milenar em que monges principiantes pintam uma
mandala com areias coloridas para, em seguida, desmanchá-la com um simples
sopro.
A vida humana é apenas um sopro diante da eternidade, seria essa a
mensagem?
caricatura do casal feliz: Yara Salles & Heber de Bôscoli.
'TREM DA ALEGRIA' e LAMARTINE BABO
(texto de Norma Hauer sobre o programa)
Lamartine de Azevedo Babo nasceu em 10 Janeiro 1904. Perdeu seu pai muito cedo e começou a trabalhar na Light & Power Co. bem jovem. Aprendeu o Código Morse e foi trabalhar nos Correios.
Envolveu-se com o conjunto Bando de Tangarás em 1929, e seguindo conselho de Almirante, ingressou na Radio Educadora do Brasil, PRB-7, lançando 'Horas Lamartinescas Radioletes' e 'Perfis e Perfídias'. Criou um programa chamado Clube da meia-noite, que não foi aceito pelos censores de então. Lamartine, mudou o nome para 'Clube dos Fantasmas' e foi aceito.
Com a vinda de Cesar Ladeira para a Radio Mayrink Veiga, foi um dos primeiros a se transferirem para lá, levando seus programas e lançando a 'Canção do dia', onde comentava canções suas e de seus colegas.
'Com a letra A', uma marcha carnavalesca homenageando uma namorada de nome Alda, Lamartine estreou como compositor no Carnaval de 1931. Em 1932, Lamartine lançou 'Uma andorinha não faz verão'. Em 1933, 'O teu cabelo não nega', com Castro Barbosa, aquele que mais tarde faria dupla com Lauro Borges na famosa PRK-30. 'O teu cabelo não nega' era um estribilho dos irmãos Valença, compositores pernambucanos, que processaram a Victor Brasileira por quebra de direito autoral.
Em agosto de 1933, a Victor lançou em disco 'As cinco estações', um cateretê de Lamartine gravado por ele mesmo, Mário Reis, Carmen Miranda e Almirante, que apresentava o panorama do radio no Rio de Janeiro que crescia em popularidade assustadoramente. Eis a letra:
AS CINCO ESTAÇÕES DO ANO
(Lamartine) Antigamente eu banquei estação de águas
hoje guardo minhas mágoas
num baú de tampo azul;
já fui fraquinha, mas agora já estou forte
sou ouvida lá no Norte quando o vento está no Sul
transmite PRA-C cccc
transmite PRA-C cccccc.
(Mário Reis) Eu sou a Philips do samba e da fuzarca
anuncio qualquer marca do trombone ou do café;
chegada a hora do apito da sirene
grita logo dona Irene: liga o radio, vem cá, Zé!
transmite PRA-X xxxx
transmite PRA-X xxxxxx
(Carmen Miranda) Sou a Mayrink popular e conhecida
toda gente fica louca, sou querida até no hospício
e quando chega a sexta-feira em dona Clara
sai até tapa na cara só por causa do Patrício
transmite PRA-K kkkk
transmite PRA-K kkkkkk (k k k k)
(Lamartine) Sou conhecida aos 4 cantos da cidade
sou a Radio Sociedade, fico firme, aguento o tranco.
Adoro o clássico, odeio a fuzarqueira,
minha gente, fui parteira do Barão do Rio Branco.
transmite PRA-A aaaa
transmite PRA-A. aaaaaa.
(Almirante) Sou Radio Clube, eu sou é home, minha gente,
francamente sou do esporte, futebol me põe doente, oh!
no galinheiro se irradio para o povo
cada gol que eu anuncio a galinha bota um ovo
transmite PRA-B bbbb
transmite PRA-B bbbbbb.
A Radio Educadora PRB-7, é chamada de 'estação de águas', expressão usada entre o pessoal de radio para ironizar emissoras que iam mal.
A Radio Philips ganha destaque pelo sucesso do 'Programa Casé' de Ademar Casé, e por atrair anunciantes de todos os gêneros.
A Radio Mayrink Veiga PRA-9, era a emissora de maior audiência e Lamartine destaca a presença de Patrício Teixeira, cantor e violonista.
A Radio Sociedade do Rio de Janeiro, PRA-A, a 1a. emissora do Brasil, fundada por Roquette Pinto em abril de 1923, continuava como sempre, privilegiando a música erudita.
A última estrofe é dedicada à Radio Clube do Brasil, PRA-3, 2a. emissora do Brasil, fundada em 1924, e refere-se ao preconceito sofrido pelos primeiros narradores de futebol, citando um episódio vivido pelo locutor Amador Santos, que, proibido de transmitir um Fla-Flu, instalou-se em uma casa vizinha ao estádio e subiu num galinheiro para narrar a partida.
Lamartine gostava de contar em seus programas que não podia sair de terno preto e gravata branca porque, magro e alto, poderiam confundi-lo com os postes de parada-de-bondes, que, pretos, tinham uma faixa branca.
Havendo sido telegrafista, certa vez ingressou numa agência dos correios; dois telegrafistas, vendo-o trocaram a mensagem: 'feio, alto e magro...'; Lamartine, dedilhando sobre o balcão da agência, respondeu: 'feio, alto, magro e ex-telegrafista'.
O programa mais popular criado por Lamartine foi o 'Trem da alegria', que apresentava junto de Heber de Boscoli e Yara Salles, lançado pela Radio Mayrink Veiga. Cesar Ladeira logo surgiu com o apelido Trio de Osso, parodiando o famoso Trio de Ouro, composto de Herivelto, Dalva e Nilo.
Antes do 'Trem da Alegria' transferir-se para a Radio Nacional, passou a ser apresentado do Teatro João Caetano, pois o auditório da Mayrink era muito pequeno e o público interessado em assistir o programa 'ao vivo' era imenso.
Com a morte prematura de Heber, o trio se desfez. Lamartine dedicou-se então à União Brasileira de Compositores, afastando-se das atividades radiofônicas.
Em junho de 1963, enquanto assistia aos ensaios de uma peça em sua homenagem, entitulada 'O teu cabelo não nega', de autoria de Carlos Machado, Lamartine, muito emocionado, teve um ataque cardíaco vindo a falecer em 16 junho 1963, com 59 anos de idade.